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Desvendar o paradoxo da produtividade: o impacto da IA no trabalho e na produtividade do trabalhador

Como irá a IA afetar os trabalhadores? As ondas tecnológicas do passado mostram como o caminho pode ser imprevisível.

Autoria: Frollein Flow

Tradução: EPALE Portugal

 

A explosão do interesse pela inteligência artificial chamou a atenção não apenas para a capacidade surpreendente de os algoritmos imitarem os humanos, mas também para a realidade de que esses algoritmos poderiam deslocar muitos humanos dos seus empregos. As consequências económicas e sociais podem ser nada menos do que dramáticas.

O caminho para esta transformação económica passa pelo local de trabalho. Um estudo amplamente divulgado da Goldman Sachs prevê que, na próxima década, cerca de dois terços das profissões atuais possam ser afetadas e entre um quarto e metade do trabalho que as pessoas fazem agora poderá ser assumido por um algoritmo. Até 300 milhões de empregos em todo o mundo podem ser afetados. A empresa de consultoria McKinsey divulgou o seu próprio estudo, prevendo um aumento 4,4 triliões de dólares na economia global impulsionados pela IA, todos os anos.

As implicações de tais números gigantescos são preocupantes, mas quão confiáveis são estas previsões?

Lidero um programa de investigação designado Digital Planet, que estuda o impacto das tecnologias digitais nas vidas e nos meios de subsistência em todo o mundo e a forma como esse impacto muda com o tempo. Um olhar ao modo como as ondas anteriores das tecnologias digitais, como os computadores pessoais e a internet, afetou os trabalhadores oferece algumas dicas sobre o potencial impacto da IA ​​nos próximos anos. Mas se a história do futuro do trabalho serve de guia. Devemos estar preparados para algumas surpresas.

A revolução da TI e o paradoxo da produtividade

Uma métrica chave para rastrear as consequências da tecnologia na economia é o aumento da produtividade do trabalhador – definida como a produção de trabalho que um funcionário pode gerar por hora. Esta estatística aparentemente árida é importante para todos os indivíduos que trabalham, porque está diretamente ligada ao quanto um trabalhador pode esperar ganhar por cada hora de trabalho. Dito de outra forma, espera-se que uma produtividade maior leve a salários mais elevados.

Os produtos de IA generativa são capazes de produzir conteúdos escritos, gráficos e de áudio ou programas de software com o mínimo de envolvimento humano. Profissões como publicidade, entretenimento e trabalho criativo e analítico podem estar entre as primeiras a sentir os efeitos. Os indivíduos nessas áreas podem preocupar-se com o facto de as empresas usarem a IA generativa para realizar trabalhos que antes faziam, mas os economistas veem um grande potencial para o aumento a produtividade da força de trabalho como um todo.

O estudo da Goldman Sachs prevê que a produtividade crescerá 1,5% ao ano apenas com a adoção da IA ​​generativa, o que seria quase o dobro da taxa de 2010 a 2018. A McKinsey é ainda mais agressiva, ao referir que esta tecnologia e outras formas de automação darão início à “próxima fronteira da produtividade”, elevando-a para 3,3% ao ano, até 2040.

Esse tipo de aumento de produtividade, que se aproximaria das taxas dos anos anteriores, seria bem-vindo tanto pelos economistas quanto, em teoria, pelos trabalhadores.

Se traçássemos a história do século XX em termos de crescimento da produtividade nos EUA, esta galopou em cerca de 3% ao ano de 1920 a 1970, elevando os salários reais e os padrões de vida. Curiosamente, o crescimento da produtividade desacelerou nas décadas de 1970 e 1980, coincidindo com a introdução dos computadores e das primeiras tecnologias digitais. Este “paradoxo da produtividade” ficou famoso num comentário do economista do MIT, Bob Solow: Pode ver a era do computador em todos os lugares, exceto nas estatísticas da produtividade.

Os céticos da tecnologia digital culparam o tempo “improdutivo” gasto nos medias sociais ou em compras e argumentaram que as transformações anteriores, como a introdução da eletricidade ou do motor de combustão interna, tiveram um papel maior na alteração fundamental da natureza do trabalho. Os tecno-otimistas discordaram; argumentaram que as novas tecnologias digitais precisavam de tempo para se traduzirem no aumento da produtividade, porque outras mudanças complementares precisariam de evoluir em paralelo. Outros ainda temiam que as medidas de produtividade não fossem adequadas para captar o valor dos computadores.

Por um tempo, parecia que os as visões otimistas seriam justificadas. Na segunda metade da década de 90, por volta do momento em que surgiu a World Wide Web, o crescimento da produtividade nos Estados Unidos duplicou, passando de 1,5% ao ano na primeira metade daquela década para 3% na segunda. Mais uma vez, houve divergências sobre o que realmente estava a acontecer, turvando ainda mais as águas sobre se o paradoxo havia sido resolvido. Alguns argumentaram  que, de facto, os investimentos nas tecnologias digitais estavam finalmente a valer a pena, enquanto uma visão alternativa era a de que as inovações de gestão e tecnológicas em algumas indústrias-chave eram os principais impulsionadores.

Independentemente da explicação, tão misteriosamente quanto começou, aquele surto do final dos anos 90 durou pouco. Portanto, apesar do investimento corporativo massivo em computadores e na internet – mudanças que transformaram o local de trabalho – o quanto a economia e os salários dos trabalhadores beneficiaram da tecnologia permaneceu incerto.

Início dos anos 2000: nova queda, nova moda, novas esperanças

Enquanto o início do século XXI coincidiu com o estouro da chamada bolha dot-com, o ano de 2007 foi marcado pela chegada de outra revolução tecnológica: o iPhone da Apple, que os consumidores compraram aos milhões e que as empresas desenvolveram de inúmeras formas. No entanto, o aumento da produtividade do trabalho começou a estagnar novamente em meados dos anos 2000, subindo brevemente em 2009, durante a Grande Recessão, apenas para regressar a uma queda de 2010 a 2019.

Ao longo dessa nova crise, os tecno-otimistas antecipavam novos ventos de mudança. A IA e a automação estavam a tornar-se moda e esperava-se que transformassem o trabalho e a produtividade do trabalhador. Para lá da automação industrial tradicional, os drones e robôs avançados, o capital e o talento estavam a fluir para muitas tecnologias que poderiam mudar o jogo, incluindo os veículos autónomos, as caixas automáticas nos supermercados e até os robôs que fazem pizzas. A IA e a automação foram projetadas para impulsionar o crescimento da produtividade acima de 2% ao ano, numa década, acima dos mínimos de 2010-2014, de 0,4%.

Mas antes que pudéssemos chegar aí e avaliar como estas novas tecnologias se estenderiam pelo local de trabalho, ocorreu uma nova surpresa: a pandemia da COVID-19.

O impulso pandémico da produtividade – depois estourou

Por mais devastadora que tenha sido a pandemia, a produtividade do trabalhador aumentou após o seu início, em 2020; a produção por hora trabalhada globalmente atingiu 4,9%, a mais alta registada desde que há dados disponíveis.

Grande parte dessa ascensão acentuada foi facilitada pela tecnologia: as empresas maiores e intensivas em conhecimento – inerentemente as mais produtivas – mudaram para o trabalho remoto, mantendo a continuidade através de tecnologias digitais, como a videoconferência e as tecnologias de comunicação, como o Slackeconomizando tempo com deslocações e focando-se no bem-estar.

Embora tenha sido claro que as tecnologias digitais ajudaram a aumentar a produtividade dos trabalhadores do conhecimento, houve uma mudança acelerada para uma maior automação em muitos outros setores, pois os trabalhadores tiveram de permanecer em casa para sua própria segurança e de cumprir os confinamentos. As empresas de setores que vão desde o processamento de carne até às operações em restaurantes, retalho e hotelaria investiram em automação, como robôs e processamento automatizado de pedidos e atendimento ao cliente, o que ajudou a aumentar a sua produtividade.

Mas, depois, houve outra mudança na jornada do cenário tecnológico.

O aumento de 2020-2021 nos investimentos no setor da tecnologia entrou em colapso, assim como a moda dos veículos autónomos e dos robôs que fazem pizza. Outras promessas espumosas, como o trabalho remoto e a formação revolucionários do metaverso, também pareciam desaparecer no cenário.

Paralelamente, sem aviso prévio, a “IA generativa” entrou em cena, com um potencial ainda mais direto para aumentar a produtividade enquanto afetava os empregos – em escala massiva. O ciclo de moda em torno da nova tecnologia recomeçou.

Olhar em frente: fatores sociais no arco da tecnologia

Dado o número de reviravoltas na história até agora, o que podemos esperar daqui em diante? Aqui ficam quatro questões para ter em consideração.

Em primeiro lugar, o futuro do trabalho é mais do que apenas o número bruto de trabalhadores, as ferramentas técnicas que usam ou o trabalho que realizam; deve-se considerar como é que a IA afeta fatores como a diversidade no local de trabalho e as desigualdades sociais, que, por sua vez, têm um impacto profundo nas oportunidades económicas e na cultura do local de trabalho.

Por exemplo, embora a ampla mudança para o trabalho remoto possa ajudar a promover a diversidade com contratações mais flexíveis, vejo o aumento do uso da IA ​​como provável que tenha o efeito oposto. Os trabalhadores negros e hispânicos estão sobre representados nas 30 profissões com maior exposição à automação e sub-representados nas 30 profissões com menor exposição. Embora a IA possa ajudar os trabalhadores a trabalharem mais em menos tempo e esse aumento de produtividade possa aumentar os salários dos empregados, poderá levar a uma grave perda de salários para aqueles cujos empregos foram deslocados. Um artigo de 2021 descobriu que a desigualdade salarial teve tendência para aumentar mais nos países em que as empresas já dependiam muito de robôs e que adotaram rapidamente as tecnologias robóticas mais recentes.

Em segundo lugar, como o local de trabalho pós-COVID-19 procura um equilíbrio entre trabalho presencial e remoto, os efeitos sobre a produtividade – e as opiniões sobre o assunto – irão permanecer incertos e fluidos. Um estudo de 2022 mostrou uma eficiência melhorada para o trabalho remoto à medida que as empresas e os funcionários se sentiram mais confortáveis ​​com os acordos de trabalho em casa, mas de acordo com um outro estudo de 2023, os gestores e os funcionários discordam quanto ao impacto: os primeiros acreditam que o trabalho remoto reduz a produtividade, enquanto os funcionários acreditam no contrário.

Em terceiro lugar, a reação da sociedade à disseminação da IA ​​generativa pode afetar muito o seu curso e o impacto final. As análises sugerem que a IA generativa pode aumentar a produtividade do trabalhador em trabalhos específicos – por exemplo, um estudo de 2023 descobriu que a introdução escalonada de um assistente de conversação baseado em IA generativa aumentou a produtividade do pessoal no atendimento ao cliente em 14%. No entanto, já existem apelos crescentes para se considerar os riscos mais graves da IA ​​generativa e para os levar a sério. Além disso, o reconhecimento da computação astronómica e dos custos ambientais da IA ​​generativa pode limitar o seu desenvolvimento e utilização.

Por fim, considerando o quanto os economistas e outros especialistas erraram no passado, é seguro dizer que muitas das previsões atuais sobre o impacto da tecnologia da IA no trabalho e na produtividade do trabalhador também se revelarão erradas. Números como 300 milhões de empregos afetados ou aumentos anuais de 4,4 triliões de dólares na economia global chamam a atenção, mas acho que as pessoas tendem a dar-lhes mais credibilidade do que a necessária.

Além disso, “empregos afetados” não significa empregos perdidos; pode significar aumento de empregos ou mesmo uma transição para novos empregos. O melhor é usar as análises, como a da Goldman ou a da McKinsey, para despertar a nossa imaginação sobre os cenários plausíveis sobre o futuro do trabalho e dos trabalhadores. É melhor, na minha opinião, fazer um brainstorming pró-ativo para, dos muitos fatores que podem afetar, descobrir qual realmente vai acontecer, procurar sinais de alerta precoce e estar preparado, em consonância.

A história do futuro do trabalho tem sido repleta de surpresas; não fique chocado se as tecnologias de amanhã forem igualmente confusas.

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Este artigo foi republicado a partir de The Conversationsob uma licença Creative Commons. Leia o artigo originalescrito por Bhaskar Chakravorti,, Reitor de Negócios Globais, da Fletcher School, da Tufts University.

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