Aprendizagem e formação com a Realidade Virtual

Autoria: Else Lauridsen
Tradução: EPALE Portugal
As primeiras tentativas para a criação de uma realidade virtual imersiva começaram há mais de 50 anos. No entanto, foi apenas nos últimos 5 a 10 anos que o uso da RV se disseminou do entretenimento para os locais de trabalho, para a educação e para a investigação. Esta disseminação ocorre principalmente porque os headsets de realidade virtual se tornaram mais leves, mais flexíveis, mais poderosos e, não menos importante, mais acessíveis. Espera-se que a inteligência artificial impulsione ainda mais a prevalência e a aplicabilidade da RV nos próximos anos. (Lee et al., 2021, p. 11-12)
3 utilizações principais da realidade virtual imersiva para aprendizagem e formação
No que diz respeito à aprendizagem e à formação, a utilização da realidade virtual imersiva pode ser organizada em três categorias principais:
- A RV é usada para simular ambientes que são muito difíceis, perigosos ou caros para se visitar na vida real
- A RV é usada para capacitar os alunos como designers criativos e produtores
- A RV é usada para melhorar a colaboração e criar uma sensação de presença física e social
A RV é usada para simular ambientes que são muito difíceis, perigosos ou caros para se visitar na vida real
Quando coloca um headset de RV, entra noutra realidade, na qual uma visão de 360 graus e sons criam uma sensação de aí estar. Isto pode ser usado no ensino. Os alunos podem visitar as pirâmides, explorar a floresta tropical ou conhecer Londres na década de 1850. Em muitos aplicações de RV pode interagir com o ambiente e isso pode melhorar a experiência dos alunos e mudar os seus papéis para o de explorador, cientista ou de uma criança pobre na era vitoriana. Estas oportunidades favorecem uma aprendizagem autêntica e permitem que os alunos explorem e compreendam assuntos e conceitos complexos através de cenários e interações realistas (Lee et al., 2021, p. 24-25).
Um exemplo deste tipo de utilização pode ser encontrado em Jensen (L. X. Jensen, 2017), que descreve como estudantes universitários dinamarqueses fizeram uma viagem virtual a campos de refugiados no Iraque e em França. De acordo com Jensen, as viagens de campo virtuais podem criar uma compreensão e experiência partilhadas que podem ser a base para tarefas de aprendizagem e discussões em sala de aula.
As simulações de RV também são utilizadas para desenvolver competências da força de trabalho, especialmente nos casos em que os erros podem levar a elevados custos em termos de vidas humanas ou materiais. Por exemplo, nos aeroportos, na indústria das turbinas eólicas e na navegação. Através da RV, os funcionários podem treinar como escapar de uma torre de turbina eólica em chamas e como lidar com conflitos num navio porta-contentores. (https://virsabi.com/maersk-behavioral-training/)
Mas a formação com RV também é utilizada para formar jovens aprendizes em ambientes quotidianos mais comuns, como é visto na empresa de retalho dinamarquesa Coop Danmark A/S. Neste caso, o uso da RV é uma tentativa de atrair jovens colaboradores através de formação diferenciada da dos concorrentes (Batchelor, 2018).
A RV é usada para capacitar os alunos como designers criativos e produtores
Há mais exemplos de como os alunos utilizam a RV para criar. A RV apresenta aos alunos novas ferramentas criativas 3D e XR, dando-lhes a oportunidade de se expressarem de novas formas, tanto quando fazem novas criações num mundo virtual, quanto quando criam conteúdos ou desenhos para serem utilizados em RV.
Quando a RV é utilizada desta forma, já não é o computador que atua como professor para os alunos, mas, inversamente, os alunos que aprendem através da programação dos computadores ou da criação de conteúdos para os mundos virtuais. Este modo de usar a RV no ensino pode ser vista como uma forma de construcionismo, conforme definido por Seymour Papert em 1980 (Papert, 1993).
Um exemplo é descrito por Majgaard e Lyk (Majgaard; G. & Lyk, 2015), que permitiram que alunos do 5.º ano desenvolvessem figuras tridimensionais em papelão, areia e outros materiais e, posteriormente, poderiam experimentar essas figuras num ambiente de RV. Majgaard e Lyk concluem que a combinação de processos de design criativo e de RV fortaleceu os fundamentos da aprendizagem baseada na experiência dos alunos.
A RV é usada para melhorar a colaboração e criar uma sensação de presença física e social
Finalmente, a RV pode ser utilizada como uma plataforma para colaboração, partilha de conhecimento e trabalho em rede. Graças à realidade envolvente e imersiva, a RV pode criar um sentimento de proximidade física e uma sensação de presença - mesmo que as pessoas que conheça na RV estejam a centenas de quilómetros de distância.
Esse tipo de ensino pode ocorrer em plataformas de RV existentes, como a MeetinVR (https://www.meetinvr.com) e a Horizon Workrooms do Facebook (https://www.meta.com/dk/en/work/workrooms/).
Steinicke et al. (Steinicke et al., 2020) fizeram um pequeno estudo piloto no qual compararam reuniões de grupo virtuais que utilizavam videoconferências e reuniões de RV com e sem óculos (HMDs). O estudo piloto foi realizado com nove participantes, todos membros do mesmo grupo de investigação da Universität Hamburg, na Alemanha. Mesmo com a pequena dimensão da amostra, o estudo encontrou um efeito significativo na presença social em RV imersiva em comparação com outras plataformas virtuais de reunião de grupo.
Sadeghi et al. (Sadeghi et al., 2021) descrevem um estudo sobre a utilização de plataformas de reunião com RV no cenário de reuniões multidisciplinares da equipa de cardiologia num hospital holandês. Cinco cirurgiões cardiotorácicos e cinco cardiologistas participaram no estudo que foi acelerado pela pandemia da COVID-19 e pela exigência de distanciamento social. O estudo conclui que a experiência do utilizador foi avaliada como positiva e que houve uma atitude favorável em relação ao uso de reuniões com RV. Uma vantagem que foi citada com frequência foi o envolvimento na reunião. Os participantes sentiram-se ativamente envolvidos nas reuniões e não tiveram distrações do ambiente circundante. Além disso, a comunicação foi relatada como sendo tão boa quanto numa reunião presencial.
A Fox School of Business, em Filadélfia, nos EUA, lançou um curso de MBA em fintech, blockchain e disrupção digital a realizar em formato de RV. Em vez de utilizar uma plataforma de RV existente, a universidade desenvolveu a sua própria plataforma com duas salas de aula de RV: uma sala de aula tradicional em estilo auditório e um parque exterior. Os alunos participam através de um headset Oculus de RV e o professor é transmitido ao vivo a partir de um estúdio de vídeo para a sala de aula virtual.
A escola vê mais vantagens num curso facilitado por RV: os 20 alunos matriculados no curso podem ingressar a partir de qualquer lugar do mundo e, ao usarem o headset de RV, já não se distraem com os seus telefones ou com outros distúrbios. Além disso, a tecnologia pode ser adaptada para que cada aluno possa ter uma visão frontal do instrutor.
Contudo, também existem desafios com esta forma de ensino: os headsets de RV são incómodos e a fadiga ocular instala-se após cerca de 45 minutos, tornando as aulas breves (Orbanek, 2020; Rosenberg, 2021).
Barreiras à adoção
De acordo com Lee e al. (2021, p. 45-54) a RV cria muitas novas oportunidades de ensino, mas também enfrenta barreiras significativas à sua adoção:
Acessibilidade
Uma barreira muito básica é o acesso à RV. Um dos headsets de RV mais vendidos é o Oculus Quest 2 do Facebook, mas não está disponível em todos os países. Na Alemanha, por exemplo, o Facebook suspendeu temporariamente as vendas de todos os headsets Oculus de RV, desde setembro de 2020. Isso ocorreu quando o regulador de dados alemão, Bundeskartellamt, iniciou uma investigação sobre a decisão de exigir que os utilizadores do Oculus mudassem para logins de Facebook para os seus headsets até 2023 (Robertson, 2020).
Outro exemplo é que o Oculus Quest 2 não está disponível na China e várias tecnologias XR chinesas não estão disponíveis nos EUA e na Europa. (Lee et al (2021, p. 46). Ao mesmo tempo, as soluções de RV raramente oferecem soluções viáveis para pessoas com várias formas de deficiência.
Como o download ou o streaming de conteúdos de RV requerem uma largura de banda significativa, isto pode causar outro obstáculo para se aceder a cursos baseados em RV.
Um quarto desafio de acessibilidade é o preço da tecnologia de RV. Nos últimos anos, o preço dos equipamentos de RV diminuiu muito. Em particular, o desenvolvimento de headsets autónomos baixou o preço. No entanto, o preço de um headset Oculus Quest para utilização profissional ainda é de 750 euros, o que pode constituir uma despesa significativa quando uma instituição de ensino pretende adquirir equipamento de RV para uma turma inteira.
Uma exceção aos equipamentos caros é o Google Cardboard e outros visualizadores de realidade virtual de baixo custo, no qual instala o seu telemóvel no equipamento. No entanto, as possibilidades de interação e a experiência de RV não são comparáveis às de um dispositivo de última geração.
Questões pedagógicas e técnicas
A falta de conteúdo educacional adequado a plataformas de RV é outra barreira para a sua adoção no ensino. Por se tratar de uma tecnologia emergente, foram desenvolvidos poucos conteúdos e poucos materiais didáticos. Simultaneamente, poucos professores têm a capacidade técnica necessária ou a experiência prática para desenvolverem material educacional para a RV. Portanto, o uso da RV como tecnologia educativa pode gerar trabalho extra para o professor e exigirá um apoio extra deste.
Assim, é necessário apoio técnico e pedagógico para ajudar os educadores a integrarem com sucesso a RV no seu ensino. Infelizmente, isto falta na maioria das instituições educativas e apenas algumas escolas e universidades têm o conhecimento necessário e a experiência em RV para disponibilizarem este apoio. (Lee et al., 2021, p. 48-51).
Jensen (L. X. Jensen, 2017) argumenta que é um problema o facto de os headsets de RV serem feitos principalmente para entretenimento. A interface do utilizador é mais parecida com uma consola de jogos do que com um sistema de gestão de aprendizagem, o que torna as tarefas simples de gestão e administrativas demoradas.
Doença cibernética
Tendo por base uma revisão da literatura sobre headsets de RV na educação e formação, Jensen e Konradsen (L. Jensen & Konradsen, 2018) referem que a doença cibernética é uma barreira ao uso educativo da realidade virtual imersiva no ensino. A revisão encontrou grandes diferenças no nível relatado de doença cibernética, variando de sintomas leves a doença cibernética grave, o que fez os participantes do estudo abandonarem a experiência.
Estudos futuros
Ainda há muito a estudar relativamente ao uso educativo da RV, especialmente no que diz respeito ao uso de salas de reunião e salas de aula de RV, pois apenas alguns estudos foram feitos sobre este assunto.
No projeto Erasmus+ WISE Offshore, analisámos as possibilidades da RV. Inicialmente, queríamos descobrir como poderíamos tornar o nosso MBA de Energia Eólica Offshore mais flexível para os alunos utilizando o ensino híbrido, mas rapidamente percebemos que os aspetos sociais do MBA, as possibilidades de networking e a partilha de conhecimento eram tão importantes para os alunos como o conteúdo académico. Isso levou-nos a pensar como podemos combinar a flexibilidade das reuniões online com a sensação de proximidade e presença que podemos experimentar nas reuniões presenciais. As salas de reunião da RV podem fazer parte da resposta? Ainda não temos uma resposta, mas no ano passado realizámos mais workshops com RV e estes mostraram-nos que existem possibilidades na RV.
Na Business Academy SouthWest em Esbjerg, na Dinamarca, continuaremos estes estudos após o término do projeto Erasmus+.
Literatura:
Batchelor, O. (2018, July 25). Coop går efter de unge: Ruller virtual reality-træning ud i 700 butikker. Dr.Dk. https://www.dr.dk/nyheder/penge/coop-gaar-efter-de-unge-ruller-virtual-…
Jensen, L., & Konradsen, F. (2018). A review of the use of virtual reality head-mounted displays in education and training. Education and Information Technologies, 23(4), 1515–1529. https://doi.org/10.1007/s10639-017-9676-0
Jensen, L. X. (2017). Virtual Reality in Higher Education Using head-mounted displays in the classroom.
Lee, M. J. W., Georgieva, M., Alexander, B., Craig, E., & Richter, J. (2021). State of XR & Immersive Learning Outlook Report 2021. Walnut, CA: Immersive Learning Research Network. https://www.immersivelrn.org/stateofxr
Majgaard; G., & Lyk, P. (2015). På rejse med Virtual Reality i billedkunst - erfaringslaering gennem kombineret fysisk og virtuel modelbygning. Læring & Medier, 14, 1–26. http://www.lom.dk!
Orbanek, S. (2020, March 18). Fintech, Blockchain and Digital Disruption course to be held in new virtual reality format. https://www.fox.temple.edu/posts/2020/03/fox-school-introduces-first-ev…
Papert, S. (1993). Mindstorms - children, Computers and powerful Ideas. Perseus Publishing.
Robertson, A. (2020, December 10). German regulators are investigating Facebook for its controversial Oculus account rules. The Verge. https://www.theverge.com/2020/12/10/22167509/germany-fco-investigation-…
Rosenberg, Z. (2021, April 23). Temple’s business school sees virtual reality as future of online learning. The Inquirer. https://www.inquirer.com/business/remote-learning-vr-mba-20210423.html
Sadeghi, A. H., Wahadat, A. R., Dereci, A., Budde, R. P. J., Tanis, W., Roos-Hesselink, J. W., Takkenberg, H., Taverne, Y. J. H. J., Mahtab, E. A. F., & Bogers, A. J. J. C. (2021). Remote multidisciplinary heart team meetings in immersive virtual reality: A first experience during the COVID-19 pandemic. BMJ Innovations, 7(2), 311–315. https://doi.org/10.1136/bmjinnov-2021-000662
Steinicke, F., Lehmann-Willenbrock, N., & Meinecke, A. L. (2020, October 31). A First Pilot Study to Compare Virtual Group Meetings using Video Conferences and (Immersive) Virtual Reality. Proceedings - SUI 2020: ACM Symposium on Spatial User Interaction. https://doi.org/10.1145/3385959.3422699
https://www.meetinvr.com [visitado a 13.10.2021]
https://www.meta.com/dk/en/work/workrooms/ [visitado a 10.03.2023]
https://virsabi.com/maersk-behavioral-training/ [visitado a 29.10.2021]