Preparados ou não, aqui vamos nós! A Orientação para a Carreira está preparada para a Nova Europa?

Publicação original: Euroguidance Austria
Author: Daniel Hailemariam
Tradução: EPALE Portugal
A mudança surge com os desafios
Um provérbio antigo diz: “Quando os ventos da mudança sopram, alguns procuram abrigo, outros constroem moinhos de vento”. Os ventos das mudanças demográficas e sociais têm soprado na Europa nas últimas décadas. Ao longo dos anos, as alterações na estrutura populacional resultaram em inúmeros desafios. Uma das principais mudanças e desafios demográficos na Europa é a imigração. A dimensão em que tem ocorrido nos últimos anos afetou, sem dúvida, e ainda afeta todos os aspetos da sociedade e a orientação para a carreira não é exceção. A questão abordada neste workshop é se a Europa está preparada para as mudanças e desafios demográficos.
Todas estas mudanças consciencializaram os profissionais da área da orientação para a carreira de que somos cada vez mais julgados por um novo parâmetro e é assim que lidamos connosco mesmos e com os que são diferentes de nós; isto é muitas vezes referido como “soft skills” – uma competência inegociável do século XXI. As soft skills incluem a capacidade de trabalhar com diversos grupos em prol da inclusão.
Monoculturalismo – Multiculturalismo – Interculturalismo
Ao longo das décadas, a Europa deixou de ser um continente monocultural para se tornar um continente multicultural. Os modelos de compreensão e o modo de lidar com o mono e multiculturalismo também variaram ao longo dos anos. Durante anos, o assimilacionismo – o processo em que indivíduos com diferentes origens culturais adquirem os hábitos e atitudes básicos da cultura maioritária tem sido o modelo dominante. A assimilação enfatizou a unidade em detrimento da ignorância da diversidade. Depois disso, o multiculturalismo – a visão de que os grupos minoritários merecem um reconhecimento especial das suas diferenças dentro de uma cultura dominante – tem sido o modelo de compreensão e para lidar com a diversidade. O multiculturalismo enfatiza as diferenças culturais em detrimento da unidade. No entanto, o multiculturalismo (reconhecer a diversidade) não tem sido suficiente para responder aos desafios que a Europa enfrenta devido à crescente população de imigrantes provenientes de diferentes origens culturais e de cosmovisão.
Um melhor modelo de compreensão e de lidar com a diversidade debatido no workshop é a ideia de interculturalismo, que se centra na troca de experiências entre culturas.
Os benefícios do interculturalismo são:
- o interculturalismo é uma negociação entre (“inter”) pessoas e promove a influência mútua, a compreensão mútua, a inclusão, a aceitação da diversidade e uma abordagem crítica aos preconceitos em relação aos outros.
- o interculturalismo visa concretizar a igualdade e a coesão social através do desenvolvimento da diversidade.
- o interculturalismo é a arte de vivermos juntos, partilhando um espaço comum trabalhando em prol do bem comum e acelerando a integração.
- o interculturalismo procura abraçar a riqueza da diversidade cultural, reconhecendo ao mesmo tempo a humanidade partilhada que nos une a todos.
- o interculturalismo ajuda-nos a perceber que aquilo que toda a humanidade partilha vai além das diferenças individuais e, em vez disso, enfatiza a construção de pontes de compreensão entre diferentes culturas para cultivar uma sociedade inclusiva que celebre a beleza das diferenças e apoie os princípios da igualdade e da justiça social.
Orientação para a Carreira – um Conceito Ocidental
O aconselhamento e orientação para a carreira como profissão e serviço é um conceito e uma prática ocidental que precisam de ser explicados e contextualizados para pessoas de outras partes do mundo. Não se pode presumir que o serviço de orientação para a carreira e as ideias e conceitos relacionados sejam reconhecidos e possam ser plenamente utilizados pelo grupo-alvo. Uma forma de compreender isto é destacar uma das muitas dimensões da diversidade, nomeadamente os conceitos de sociedades orientadas para o grupo (coletivo) e de sociedades orientadas para o indivíduo.
As sociedades orientadas para o grupo e as sociedades orientadas para o indivíduo representam duas orientações culturais distintas. Estas orientações culturais têm um impacto significativo em vários aspetos do comportamento social, nos valores e nas normas. Diferentes sociedades podem enquadrar-se num espectro entre estas duas orientações culturais e os indivíduos numa sociedade também podem expressar uma combinação destes valores e comportamentos. Compreender estas orientações culturais e as principais diferenças, todavia, pode ajudar a promover a compreensão intercultural e a comunicação eficaz em contextos de aconselhamento para a carreira. Em poucas palavras: a orientação para a carreira é um conceito ocidental amplamente praticado nas sociedades ocidentais que são identificadas como sociedades orientadas para o indivíduo com as suas especificidades. A maioria dos imigrantes vem de sociedades identificadas como sociedades orientadas para o grupo com as suas especificidades.
Os conselheiros de carreira desempenham um papel único e vital na integração dos imigrantes na Europa. O seu papel é multifacetado e abrange vários aspetos fundamentais que contribuem para o sucesso da integração dos imigrantes na sociedade de acolhimento. Os conselheiros de carreira podem preencher a lacuna sendo pontes culturais, ajudando os imigrantes a compreenderem as nuances do mercado de trabalho e da cultura do local de trabalho no país anfitrião. É crucial reconhecer que os imigrantes passam por várias fases durante o processo de migração para um novo país.
Normas e ser-se crítico das normas
As normas podem ser vistas como algo universal e local. A normalidade universal refere-se à ideia de que certos comportamentos, atividades e necessidades são considerados normais em todas as culturas e sociedades. Sugere que algumas atividades universais se aplicam a todos os seres humanos, independentemente da sua origem cultural. Isso inclui comer, dançar, chorar e cumprimentar, só para citar algumas. Estes são comportamentos humanos básicos e são praticados além-fronteiras – isto é o “quê”.
A expressão ou “o como”, todavia, é contextual e local. Por exemplo, a forma como comemos, as nossas escolhas de vestuário, os nossos papéis de género e a forma como os nossos costumes sociais são executados e expressos podem variar amplamente entre diferentes culturas. Nalgumas culturas é costume comer com as mãos, enquanto noutras o uso de talheres é a norma. Da mesma forma, o que é considerado um comportamento adequado para homens e mulheres pode diferir significativamente de uma cultura para outra. Significa que nenhuma norma cultural pode ser objetivamente julgada como superior ou inferior – boa ou má. Afinal, a diferença não está no que fazemos, mas em como fazemos.
Ser crítico das normas é uma abordagem que visa questionar e desafiar as nossas normas e as estruturas de poder a que estamos habituados, para sermos mais inclusivos.
- A crítica das normas procura analisar e desconstruir normas relacionadas com género, raça, sexualidade, deficiência e outras categorias sociais para criar consciência do seu impacto nos indivíduos e grupos numa sociedade.
- A crítica das normas procura promover a justiça social e a igualdade, desafiando normas opressivas e defendendo sociedades mais inclusivas e equitativas.
- A crítica das normas reconhece a complexidade destas interações e as experiências únicas que delas resultam.
- A crítica das normas questiona as normas e expectativas tidas como certas que governam o comportamento e os papéis sociais.
- A crítica das normas procura revelar a dinâmica de poder por detrás das normas e as suas consequências para os grupos marginalizados.
- A crítica das normas capacita os indivíduos a questionarem as normas e a resistirem às pressões sociais que limitam a sua liberdade e autoexpressão.
- A crítica das normas desafia as normas prejudiciais e esforça-se por criar espaços mais inclusivos que apreciem a diversidade e a diferença.
- A crítica das normas enfatiza a importância de compreender as normas nos seus contextos históricos, culturais e sociais para identificar as raízes da discriminação e da desigualdade.
Portanto, abraçar o relativismo cultural e reconhecer a normalidade como universal e local é essencial para promover a compreensão e o respeito mútuos entre diferentes sociedades. Ajuda a prevenir o etnocentrismo, que é a tendência de julgar outras culturas com base nos nossos padrões culturais.
Conclusão
Quando se trata de cultura, não ajuda pensar em culturas “melhores ou piores” ou “boas ou más”. Geralmente surgem problemas e confrontos por falta de (re)flexão. Precisamos considerar que pode haver outras realidades que estão na base do modo de ser de alguém. Os desafios demográficos que se avizinham podem ser grandes, mas também o são as oportunidades, caso sejam aproveitadas. Com um compromisso sem reservas com a aprendizagem ao longo da vida, uma abertura a novas ideias e uma vontade de abraçar a diversidade e a inclusão, os conselheiros de carreira e a sociedade em geral podem contribuir para preparar a Europa para a nova norma.
A Europa está preparada? A preparação da Europa para a orientação para a carreira dos imigrantes pode variar de um país para outro e depende de uma série de fatores, incluindo políticas governamentais, recursos disponíveis e a abordagem global à imigração e à integração. Cada país tem a sua abordagem à imigração e à integração. Alguns países têm programas bem definidos de orientação para a carreira e de apoio aos imigrantes, enquanto outros podem ficar para trás. Os países que alocam recursos suficientes para programas de integração de imigrantes e que proporcionam formação aos profissionais estão muitas vezes mais bem equipados para prestarem serviços eficazes de orientação para a carreira.
As perspetivas interculturais podem emergir como um farol de esperança, oferecendo uma abordagem profunda e dinâmica para responder aos desafios e complexidades únicos enfrentados pelos profissionais. Este tema deve ser uma preocupação significativa para os decisores políticos e profissionais nos seus esforços para preparar a Europa para a nova realidade e responder às necessidades únicas de indivíduos de diferentes origens culturais. Ao incorporar perspetivas interculturais nas políticas e práticas, o aconselhamento para a carreira pode servir melhor as necessidades de uma população global cada vez mais diversificada na Europa, o que faz com que a competência cultural já não seja opcional, mas essencial.
Embora a mudança demográfica e os desafios nos superem e nos impulsionem para a frente, algo que permanece constante é a necessidade de compaixão e empatia. É a nossa humanidade que nos guiará na prestação dos serviços adequados e na elaboração das políticas certas. Por fim, por mais parecidos que sejamos, haverá sempre diferenças! Por mais diferentes que sejamos, haverá sempre semelhanças! Portanto, a questão é o que escolhemos para nos focarmos.
Foto (c) OeAD/APA-Fotoservice/Hörmandinger
Sobre o autor:
Daniel Hailemariam (Hailemariam Consulting) é originário da Etiópia, mas vive na Suécia desde 1984. A sua formação abrange as áreas de Teologia, Educação e Aconselhamento para a Carreira. Após aproximadamente 12 anos de serviço como pastor e administrador sénior de uma igreja, fez a transição para a área da Educação. Daniel dedicou mais de duas décadas a esta nova área, atuando como conselheiro de carreira em todos os níveis educativos e, mais recentemente, como professor universitário na Universidade de Estocolmo. Atualmente, trabalha por conta própria, proporcionando serviços que incluem aconselhamento para a carreira, aconselhamento geral, palestras e realização de seminários de desenvolvimento de competências.
Sobre este blogue:
Esta publicação é baseada num workshop realizado pelo autor, na conferência da Euroguidance austríaca "Skills for the future", a 9 de novembro de 2023.
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You're doing an extremely important job! Unfortunately, finding a job is not the only obstacle for migrants. I myself am a college counselor, and every day I can observe the scale of the problem, which, in fact, concerns us all. All in all, the problem is complex, and we must approach it accordingly. With your permission, I would like to share resources that we at our university find extremely useful and that may be applicable to anyone working with migrants and refugees:
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